(Foto: Getty Images)
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No dia seguinte à
abolição, que teve como principais articuladores lideranças negras,
ex-escravizados acordaram sem trabalho, sem terra e sem educação; assim permanecem
seus descendentes
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Confira a quarta
matéria da série “O mito da abolição”, que toma como ponto de
partida o 13 de maio para refletir sobre as práticas racistas que perduram na
nossa sociedade e demonstram a importância de olhar para o hoje desmistificando
mentiras contadas no passado
13-05-21 Texto: Lenne Ferreira
Como falar de abolição no país que manda matar uma vereadora negra em
pleno exercício de um mandato em prol de políticas públicas para o povo preto?
Como falar de abolição no país onde um adolescente é assassinado em casa por
policiais militares durante uma operação? Como falar em abolição em um Brasil
cuja população negra ocupa o primeiro lugar dos piores índices? Como falar em
abolição 133 anos após a assinatura de uma lei que, além de assinada tardiamente,
não representou dignidade para negros (as) e ainda tenta colocar nas mãos de
uma personagem branca o que só foi possível graças ao suor e sangue de homens e
mulheres sequestrados de África.
Os minguados capítulos dos livros de História não dão conta de toda a
articulação protagonizada por lideranças negras até o momento em que a Princesa
Isabel assinou a Lei Áurea, em 1888. Aqualtune, Zumbi dos Palmares, Acotirene,
Ganga Zumba, Maria Firmina e tantos outros (as) personagens que precisam ser
difundidos como centrais na luta pela abolição. Lida por muitos como redentora,
a segunda filha de Dom Pedro 2º, Isabel, na verdade, atendeu à pressão de
países como a Inglaterra, que, no auge da Revolução Industrial, já não viam
sentido em manter o regime escravocrata.
É preciso pontuar, inclusive que, o “fim” da escravidão e do tráfico de
africanos escravizados através do oceano atlântico colocou o Brasil em situação
de confronto com a Inglaterra em vários momentos durante o século XIX. Uma
dessas tensões foi intensificada com a promulgação, em 1845, no Parlamento
inglês, do Bill Aberdeen, ou em português, a Lei Aberdeen, que estipulava que
qualquer navio negreiro, de qualquer nacionalidade, poderia ser apressado por
navios da marinha britânica no Atlântico e mesmo em águas brasileiras. Seus
tripulantes seriam presos e julgados por um tribunal inglês. No Brasil, a lei
foi repudiada por prejudicava um dos pilares da economia nacional, o tráfico de
escravos.
Mas, voltando à princesa Isabel, que foi declarada herdeira do trono
brasileiro aos 11 meses de idade, é preciso negritar que a condição de
monárquica a colocava num lugar de beneficiada pelo regime escravocrata ao
longo de praticamente toda sua vida. Será que ela abriu mão de serviçais para
ajudar a fechar o espartilho? Segundo o historiador Henrique Silva de Oliveira,
a tentativa de destacar a atuação da Princesa no processo abolicionista já
ensaiava a intenção de preparar terreno para que ela assumisse o trono
imperial.
O especialista explica que o que sustentou o governo imperial no Brasil
foi justamente a exploração dos negros e negras. Uma prova disso é que, no ano
seguinte à abolição, o império foi desmontado dando luz à República, regime que
também não proporcionou dignidade para a população negra.
“O fim da condição jurídica da escravidão não garantiu liberdade para a
população negra. Pelo contrário, o regime republicano passou a promover a
perseguição por meio de leis como a Lei da Vadiagem, criada para criminalizar
os negros. Ao invés de garantir igualdade de direitos individuais e
irrestritos, ele vai fazer de tudo para preservar desigualdades”, destaca o
historiador.
Com a ausência do senhor “proprietário” do escravo, era preciso
encontrar formas de fazer o controle social dos ex-escravizados. “O primeiro
decreto do governo provisório republicano foi determinar que os estados
poderiam ampliar suas polícias sem precisar passar pelas assembleias
legislativas. É nesse momento que a polícia é reformulada”, pontua Henrique.
No dia seguinte ao 13 de maio, negros e negras, a maioria analfabetos e
sem posse de terra, precisaram encontrar formas de sobreviver. O eterno dia 14
é vivenciado até hoje pela população negra brasileira. São os corpos negros que
ocupam o topo das estatísticas dos piores índices: maioria na população
carcerária; maioria nos números de homicídios; maioria quando o assunto é
desemprego. Esta população é a que, ainda hoje, sofre com a falta de políticas
de reparação que não foram colocadas em prática no momento em que a Lei Áurea
foi sancionada.
“Precisamos pensar que a igualdade não se dá no campo formal. A
legislação que diz que somos iguais não é capaz de tocar na vida real das
pessoas. A gente pode até não desprezar o 13 de maio, mas ele não pode ter o
sentido que os brancos querem dar, de que a Lei Áurea foi um presente ou uma
concessão”, reforça o historiador.
Avanços precisam ser reconhecidos em diversos campos, mas mesmo após 133
anos da abolição, eles não serviram para garantir o direito básico à vida para
quem luta por ela. A morte de Marielle Franco, uma pós abolicionista do nosso
tempo, é um exemplo do quanto estamos distantes de um ideal de liberdade. O
assassinato do menino João Pedro, de 14 anos, baleado numa operação policial no
Rio de Janeiro, ou a morte do menino Miguel, no Recife, que caiu de um prédio
por negligência da patroa branca da mãe, que não dispensou a empregada negra
nem quando ela contraiu Covid-19, são triste exemplos do quanto a abolição
segue inconclusa e comprova: “13 de maio não é dia de negro”.
(O título do texto é uma citação da música “Quilombo Axé” (Dia de
Negro), do grupo pernambucano Afoxé Oya Alaxé e de autoria de Zumbi Bahia.
Fonte: https://br.yahoo.com/noticias/13-de-maio-nao-e-dia-de-negro-080043821.html 13-05-21
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