Ultradireita chegará ao poder no Brasil nos 60 anos da Revolução Cubana
O presidente eleito do Brasil,
Jair Bolsonaro, cercado por altos chefes militares, em 24 de novembro de 2018
no Rio de Janeiro
É mera
coincidência, mas não passa despercebido: quando Cuba comemorar os 60 anos de
sua revolução, que inspirou a esquerda em todo o continente, em 1º de janeiro
de 2019, o Brasil verá o ultradireitista Jair Bolsonaro assumir a Presidência.
Estaria a
América Latina diante de uma curva à direita?
Pela
primeira vez desde 1º de janeiro de 1959, quando guerrilheiros derrubaram o
ditador Fulgencio Batista, não haverá um Castro em Cuba como chefe visível do
governo revolucionário.
Os
movimentos de guerrilha em toda a América Latina se basearam na ideologia de
Fidel Castro nas décadas de 1960 e 1970. Mais recentemente, a revolução cubana
foi uma referência para Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e
Rafael Correa no Equador. E nessas seis décadas, o modelo comunista cubano
esteve sempre presente na discussão política latino-americana.
Jair
Bolsonaro, um militar da reserva, defensor da ditadura, conquistou o cargo ao
derrotar Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) que
governou por 12 anos no Brasil.
Cuba e
Venezuela estiveram presentes de forma sistemática no discurso pré-eleitoral de
Bolsonaro, para quem esses dois países sintetizam tudo o que não quer para o
Brasil.
- Um
grito de mudança -
Ex-presidentes
e analistas detectam um descontentamento mais ou menos difundido com partidos e
políticos de todas as ideologias, e quando os cidadãos votam, eles pedem uma
mudança.
"Eu
seria mais cuidadoso ao dizer que há uma guinada para a direita" na
América Latina, disse o ex-presidente social-democrata do Chile, Ricardo Lagos,
em entrevista à AFP.
Existe um
"descontentamento com uma situação em que a cidadania está mais
consciente, exige. Com as redes sociais, há uma sensação de que a política é
horizontal", refletiu.
O
resultado? "As pessoas votaram pelo oposto. O que está acontecendo com o
novo populismo de direita não é mais do que um tédio com os setores
social-democrata ou democrata-cristão que estiveram no poder por muito
tempo", disse Lagos, presidente entre 2000 e 2006.
No
Brasil, "o povo não votou em Bolsonaro, mas votou contra o PT e outros
partidos que haviam governado antes", acrescentou.
A análise
de Julio Maria Sanguinetti, duas vezes presidente do Uruguai (1985-1990 e
1995-2000), segue a mesma linha.
"Bolsonaro
não é uma expressão de fé em seu programa, ele simplesmente foi o catalisador
de uma rejeição à corrupção política e à insegurança que causou 63.000 mortes
no ano passado (no Brasil), mais do que os Estados Unidos perderam em 10 anos
no Vietnã", disse ele.
"Seus
primeiros passos são realistas, eles não se ajustam a muitas declarações
preocupantes e abrem uma expectativa. Por agora não há nada mais que isso,
expectativa", concluiu ele em comunicado enviado à AFP.
Para
Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, em Washington, "a
questão da esquerda e da direita é secundária porque, no caso do Brasil, em
particular, havia um grande sentimento anti-PT".
"O
fato de que o experimento falhou em Cuba e na Venezuela - não há palavras para
descrever a magnitude do desastre naquele país - (...) afeta de alguma forma,
mas o principal é simplesmente uma grande frustração e raiva com o partidos e
políticos tradicionais ", concluiu.
- O
fracasso e o futuro da "classe política" -
Shifter
comparou a vitória de Bolsonaro no Brasil com a de Alberto Fujimori no Peru em
1990 e a vitória de Chávez na Venezuela em 1998: o sentimento do eleitor é que
"a classe política falhou (...) não obteve resultados" e produz uma
"rejeição de governos que não cumprem seus compromissos".
Os
cidadãos "estão buscando alternativas", resumiu.
Para
Shifter, enquanto Cuba é hoje apenas uma referência histórica e ideológica,
"a Venezuela está muito mais presente devido à crise migratória".
"Meu
sentimento é que o que temos é um quadro politicamente diferente, porque a
globalização traz vencedores e perdedores", disse Lagos, para quem a
política está passando por um momento de mudança.
"Eu
acho que (os governantes) ainda estão se preparando para responder às perguntas
que existiram ontem, mas as novas condições mudam as questões, e nós temos as
respostas para as perguntas antes", concluiu.
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