O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP (via Getty Images)
ter., 23 de março de 2021
A pergunta do título virou assunto, tema de discussões nas redes, e até
reportagem desde que o psiquiatra forense Guido Palomba, ex-presidente da
Academia de Medicina de São Paulo, publicou um artigo com uma polêmica hipótese
diagnóstica na Folha de S.Paulo, no último dia 18.
Observando de longe, o autor fez uma descrição tipológica que
supostamente caracterizaria a psicopatia (ou condutopatia) do presidente, como
destaque para a ausência de sentimentos de piedade, compaixão e altruísmo,
falta de valores éticos-morais e incapacidade de reconhecer culpa, remorso ou
arrependimento. Os psicopatas, escreveu, são pessoas agressivas, mal-educadas,
vaidosas e provocadoras, características presentes, segundo Palombo, quando
Bolsonaro, diante da pandemia, diz não ser coveiro e pede para que a crise seja
encarada sem frescura. “Não há ressonância afetiva com a dor alheia”, cravou.
O diagnóstico repercutiu em uma reportagem no principal noticiário da TV Cultural. Entrou nos trends topics do Twitter e apareceu na boca até de João Doria, governador de São Paulo, em uma entrevista à CNN Internacional.
Na mesma rede onde viralizou, o suposto diagnóstico não demorou a
receber questionamentos.
“Bolsonaro não faz o que faz por ter transtorno mental, mesmo que
eventualmente tenha algum. Isso reforça o estigma das pessoas que necessitam de
acolhimento e tratamento e não ajuda em nada no que realmente importa, que é a
responsabilização política e criminal do presidente”, escreveu o médico e
advogado sanitarista Daniel Dourado em uma postagem feita pelo youtuber Felipe
Neto com o vídeo da reportagem do Jornal da Cultura. A publicação teve mais de
7,5 mil compartilhamentos.
O posicionamento de Dourado ganhou o apoio de Luís Fernando Tófoli,
psiquiatra e professor da Unicamp. “Acho um equívoco ir pelo ‘caminho
psiquiátrico’, até porque no Brasil não existe dispositivo legal claro, como
nos EUA, para impedir o presidente por ‘loucura’. A saída é política: ou
impeachment ou derrota nas urnas”, escreveu.
Para Tófoli, a psiquiatria ética não deveria diagnosticar absolutamente
ninguém à distância, independe de o presidente ser psicopata ou não. “Sendo ou
não, o risco de gerar estigma é provavelmente maior do que o de resolver o
problema.”
Entre os colegas psiquiatras, no entanto, as opiniões se dividem quando a postura pública do presidente é analisada. Para muitos, é importante “acusar” a suposta psicopatia do presidente, algo que Tófoli contesta.
Em conversa com o blog, Tófoli afirmou o artigo de Palomba é anacrônico
e muito centrado em um modelo “biologicista”. O texto associa a personalidade
do presidente a possíveis lesões cerebrais ocorridas em seu nascimento. “Isso é
impreciso e até leviano”, diz o psiquiatra, para quem o suposto transtorno do
presidente não muda a sua imputabilidade e sua capacidade de tomar decisões
para a vida civil, que não seriam afetadas pelo fato de ser (ou não) psicopata.
O episódio, segundo o especialista, mostra que parte dos brasileiros
está tão carente em busca de alguém que diga que Bolsonaro é “canalha” que
precisa vir um psiquiatra a público para referendar a avaliação. “Praticamente
todo mundo sabe que Bolsonaro age de forma vil. Até quem apoia o Bolsonaro sabe
quem ele é. Não precisamos que alguém diga que ele é psicopata. O que a gente
precisa é entender por que o país aceita uma pessoa assim no poder.”
Tófoli diz que também já tentou entender a psique de Bolsonaro por meio
de livros, como “O cadete e o capitão”, de Luiz Maklouf Carvalho, perfis e até
do podcast “Retrato Narrado”, da Revista Piauí. Ele diz que embora o presidente
manifeste de fato traços de perversidade e egoísmo de quem só se importa com
ele e a própria família, diagnosticar sem contato direto com o paciente é algo
bastante questionável.
Casos e casos
Em uma época em que condutas condenáveis são registradas e viralizam nas
redes, tem sido cada vez mais comum, após a repercussão, agressores virem a
público justificar seus atos como sintomas de um transtorno mental. Foi o que
aconteceu quando uma advogada atribuiu à sua bipolaridade as ofensas homofóbicas
distribuídas em uma padaria de São Paulo. Ou quando o morador de um condomínio
de Valinhos, no interior de São Paulo, recebeu um entregador de aplicativo com
ofensas racistas.
“São casos aparentemente diferentes”, diz Tófoli.
Nestes episódios, afirma ele, é possível que as pessoas de fato tenham
transtornos, mas é preciso analisar a situação em duas camadas. “A pessoa pode
ter transtornos e ter valores racistas. Não há nada que a impeça de ser
preconceituosa e padecer de um transtorno mental.”
Para o especialista, o fato de a pessoa estar transtornada pode fazer
tansparecer o que está por dentro dela. Em relação a Bolsonaro, ele pondera, é
mais complicado porque ele não está passando por um surto, um momento em que a
pessoa já não sabe o que faz e é considerada inimputável pela Justiça
brasileira.
“Por definição alguém com psicopatia sabe o que está fazendo. E
Bolsonaro claramente sabe o que faz, independentemente do diagnóstico. Não dá
pra descartar que Bolsonaro seja psicopata. A questão é: e daí? O que muda? O
que muda é o impeachment ou o voto”, conclui.
Fonte: https://br.yahoo.com/noticias/jair-bolsonaro-psicopata-discussao-143347481.html 23-03-21
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