Rafael Barifouse - Da BBC News Brasil em São Paulo
qua., 31 de março de 2021
Bolsonaro erra ao cobrar fidelidade política das Forças
Armadas, diz pesquisador
Os pedidos de demissão do agora ex-ministro da Defesa general Fernando
Azevedo e dos três comandantes das Forças Armadas escancaram uma crise inédita
no país, mas que "estava fadada a ocorrer", diz o historiador Carlos
Fico.
"Nunca houve o afastamento de três comandantes militares ao mesmo
tempo na história da República. É grave", avalia o pesquisador e professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
·
A crise nas Forças Armadas foi detonada às vésperas do aniversário do
golpe militar de 1964, nesta quarta-feira (31/3). No entanto, Fico não acredita
na possibilidade de ocorrer uma nova ruptura da ordem institucional.
"Não sei se é excesso de otimismo, mas pelo que vejo do Congresso,
do Supremo Tribunal Federal e da sociedade em geral percebemos que o apoio a
Bolsonaro é barulhento, mas a maioria não o apoia e reagiria."
Autor de diversos livros, entre eles O golpe de 1964: momentos decisivos e História do Brasil Contemporâneo: da Morte de Vargas aos Dias Atuais, Fico diz que as Forças Armadas entraram em uma relação
"promíscua" com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
e que isso inevitavelmente levou à crise atual.
"Falo promiscuidade porque houve um envolvimento indevido com o
governo, com uma enxurrada de militares, uma presença excessiva e
desproporcional. A crise estava contratada desde então", diz ele.
'Apoiar Bolsonaro foi um risco para as Forças Armadas'
Militares têm uma presença excessiva no governo,
afirma Fico
O pesquisador aponta que, de um lado, o presidente se julgou no direito
de cobrar lealdade política do ministro da Defesa e das Forças Armadas.
"Isso não convém, não compete a ele, e é totalmente inadequado e
inconstitucional para as Forças Armadas, sendo um órgão de Estado",
afirma.
Ao mesmo tempo, as Forças Armadas acreditaram que poderiam controlar os
ímpetos e arroubos de Bolsonaro.
"Os militares foram ingênuos. Pretendiam tutelar o governo e até
foram decisivos no começo, mas depois não conseguiram evitar as posições
extremistas ou absurdas do presidente quanto à pandemia ou nas questões
ideológicas e de costumes. Foi uma ilusão", diz Fico.
A pasta da Defesa foi criada em 1999 e era tradicionalmente chefiada por
ministros civis. Desde o governo Michel Temer (2016-2018), porém, passou a ser
comandada por um militar.
O agora ex-ministro da Defesa fez questão de ressaltar no comunicado
divulgado na segunda-feira (29/3) sobre sua saída do governo que
"preservou as Forças Armadas como instituições de Estado".
Depois, nesta terça, os três comandantes das Forças Armadas deixaram os
cargos: Edson Pujol, comandante do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e
Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica.
A saída dos comandantes é vista como um ato de protesto pela demissão
sumária de Azevedo.
"Bolsonaro é autoritário, de viés golpista e extremamente
incompetente. Apostar suas fichas como um cidadão ou como um político neste
governo já seria um risco tremendo, imagina para as Forças Armadas…", diz
Fico
'Não consigo imaginar um golpe'
Azevedo disse que trabalhou para manter as Forças Armadas como órgão de Estado
Atualmente, Bolsonaro tem militares no comando de seis ministérios, mas
esse número já foi maior, sem contar os militares que ocupam outros cargos.
O professor da UFRJ diz que era previsível que essa grande participação
militar no governo levaria a um desgaste das Forças Armadas. "Eles
cometeram um erro tremendo", diz Fico.
Mesmo agora com um nome mais alinhado a Bolsonaro à frente Defesa, como
é o caso do general Walter Braga Netto, e caso o mesmo venha a ocorrer na
liderança das Forças Armadas, o pesquisador diz que "não consegue imaginar
um golpe".
"(Os militares) já estão no poder. Seja qual for o general que
ocupe o comando do Exército - que é o que importa -, não acho que pretenda se
aventurar", diz Fico.
"Pode haver algum tipo de acomodação das Forças Armadas, para
mostrar que elas estão unidas em torno do chefe, mas não creito que haja
possibilidade de uma ruptura institucional."
Fonte: https://br.yahoo.com/noticias/crise-estava-fadada-ocorrer-diz-194233332.html 31-03-21
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