Por Fidel Forato | 31 de Março de 2021
Com a alta circulação do novo
coronavírus (SARS-CoV-2) no Brasil, o país é um cenário propício para
mutações do vírus da COVID-19 e a formação de novas variantes do agente
infeccioso, já que elas aparecem durante o processo de replicação viral. Além
da variante de Manaus, conhecida oficialmente como P.1, pelo menos outras
quatro variantes circulam de forma significativa, de acordo com o levantamento
feito pela Rede Genômica Fiocruz.
No Brasil, de acordo com o
levantamento feito em março, são observadas, em ordem crescente, as seguintes
variantes/linhagens do coronavírus: B.1.1.29; B.1.1.28; B.1.1.33; P.1
(derivada da B.1.1.28 e conhecida como a variante de Manaus); e P.2 (derivada
da B.1.1.28 e conhecida como a variante do Rio de Janeiro). Mais recentemente,
foi identificada a variante N9, encontrada originalmente em São Paulo e
derivada da linhagem B.1.1.33.
(IMPORTANTE:
linhagem é um conjunto de vírus que descendem de um ancestral comum e acumulam
mutações. Já o termo variante é mais genérico e representa qualquer vírus que
foi sequenciado e possui mutações que o diferenciam da versão original do
vírus, ou seja, o ancestral comum do coronavírus identificado pela primeira vez
na China, em 2019).
Para entender as
questões que envolvem o aparecimento das novas variantes do coronavírus e as
mutações — que não são necessariamente benéficas ou prejudiciais — no
Brasil, o Canaltech conversou com
o virologista do departamento de Microbiologia da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) e Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV),
Flávio Guimarães.
Situação do Brasil
é causada pelas novas variantes?
"Atravessamos o pior momento de
toda a pandemia. Os números de praticamente todos os estados apontam para o
colapso do sistema público e suplementar de saúde. E os números de óbitos e
novos casos também batem recordes", afirma o presidente da SBV. No
entanto, este cenário brasileiro frente à COVID-19 não deve ser justificado
apenas pelas novas variantes, especialmente pela P.1.
Brasil enfrenta o pior momento da pandemia da COVID-19 (Imagem: Reprodução/Photocreo/Envato)
"As novas variantes, certamente,
impactam, mas elas não são os únicos responsáveis pelos números que estamos
vendo. O principal responsável, inclusive pelo caos que vimos, primeiramente,
em Manaus, é a não aderência da população aos três pilares do distanciamento
social, do uso de máscaras e antissépticos e de se evitar aglomerações",
aponta o virologista.
"A disparidade de comportamentos
e a não aderência de comportamentos adequados da própria população [para a
proteção contra a COVID-19] são as principais responsáveis pela situação que
observamos", pontua. A partir dessa questão, Guimarães
questiona: "As novas variantes são a causa ou o resultado da nossa
não aderência aos pilares de prevenção da COVID-19?"
Entendendo a cepa
de Manaus
"Se a variante P.1 não é a cepa
dominante no país, rapidamente vai se tornar. Em diversos estados brasileiros,
ela já é a principal variante detectada na população, como em São Paulo",
explica o virologista sobre o cenário brasileiro frente à expansão do
coronavírus. "Em Minas Gerais, onde estamos conduzindo um estudo, a
variante dominante é a P.2, descoberta no Rio de Janeiro e que também se espalhou,
rapidamente, pelo Brasil inteiro", comenta. No entanto, o pesquisador
afirma que já há uma detecção crescente da P.1 no estado e que, em pouco tempo,
deve se tornar dominante.
Falta de comportamentos adequados para a proteção contra COVID-19 leva ao aparecimento de novas variações (Imagem: Reprodução/ Rede Genômica Fiocruz)
"Essa cepa [de Manaus] apresenta
mutações que lhe conferem vantagens replicativas, ela se liga mais facilmente
aos receptores celulares que o vírus usa para entrar na célula", comenta
Guimarães. Além disso, a P.1 apresenta uma maior probabilidade de evadir,
ou seja, escapar de respostas imunológicas conferidas contra o coronavírus por
vacina ou por infecção prévia. Só que, por enquanto, "as vacinas que temos
ainda são eficientes contra essa variante", ressalta o virologista.
"Esse mutante
é chamado de variante de preocupação (VOC – Variant of Concern), porque apresenta mutações que
foram vistas em outras variantes e que são mutações que conferem tanto aumento
de transmissibilidade quanto maior capacidade de escapar da ligação de
anticorpos gerados por uma infecção prévia, por exemplo", ressalta.
"Não temos ainda um estudo confirmatório dessas características [aumento
de transmissibilidade e virulência] no mutante P.1, mas isso pode ser inferido
por estudos com outras variantes", aponta Guimarães.
Mais casos em
jovens e a variante de Manaus
No Brasil, a variante de Manaus
caminha para se tornar predominante e, em paralelo, especialistas apontam para
uma mudança no perfil de internações em decorrência da COVID-19, incluindo
grupos de pessoas mais jovens que anteriormente não evoluiriam para um quadro
grave da infecção. É verdade que ainda não foi possível verificar uma
relação de causa e consequência direta entre essas duas condições.
Por outro lado, o virologista pondera
que "essa é uma possibilidade muito forte", desde que não se
esqueça nessa equação do fator comportamental, diretamente relacionado à
expansão da COVID-19 no país. Em outras palavras, é preciso considerar a
tendência de que os mais jovens estejam mais expostos por acreditarem,
erroneamente, ser imunes à infecção em suas formas graves. Assim, adotam menos
medidas de distanciamento social.
Uso de máscaras e medidas de proteção são fundamentais para evitar a formação de novas variantes do coronavírus (Imagem: Reprodução/Jirkaejc/Envato)
Outras cepas devem
ser observadas?
No cenário brasileiro, é possível que
novas mutações do coronavírus apareçam e que novas linhagens se formem, só que
esta não deveria ser a principal discussão no momento. "Enquanto não
atingirmos um nível de imunização adequado na população pela vacina e a
população continuar a não se adequar às regras de proteção, vamos ter uma alta
multiplicação viral na população, como estamos vendo agora", defende
Guimarães.
"Quando você tem uma alta
multiplicação viral e baixa imunidade, criamos um ambiente propício para que
novas variantes surjam ou, pior, para que as variantes que já estão aqui
continuem acumulando mutações", alerta. Neste cenário, a variante P.1
poderia, potencialmente, acumular mais mutações positivas, acarretando uma
virulência ainda maior ou uma capacidade extraordinária de resistência às
vacinas já desenvolvidas contra a COVID-19.
Utilizadas nesta
matéria, as análises brasileiras sobre os genomas do coronavírus da
Rede Genômica Fiocruz são desenvolvidas, de forma colaborativa, em
parcerias com pesquisadores de diversos institutos da Fundação Oswaldo
Cruz, como o Instituto Carlos Chagas e o Instituto Aggeu Magalhães. Para
conferir as principais variantes do coronavírus em circulação em cada estado
brasileiro, de acordo com o acompanhamento do projeto, clique aqui.
Fonte: https://canaltech.com.br/saude/quais-sao-as-principais-variantes-do-coronavirus-no-brasil-181183/ 31-03-21
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