dom., 22 de agosto de 2021 5:05 AM
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ter território, população e governo, além
de funcionar de forma independente, são os critérios clássicos do direito
internacional para definir um Estado. Outros mais prosaicos incluem ter cerveja
própria, companhia aérea e seleção de futebol. O escritor norueguês Bjorn Berge
acrescentou mais uma forma de definir um país: ter tido um selo.
Essa é a premissa de "Lugar Nenhum - Um Atlas de Países que
Deixaram de Existir", lançado em 2016 e que chega agora ao Brasil em
lançamento da editora Rua do Sabão.
Arquiteto, colecionador e estudioso das muitas reviravoltas que o
mapa-múndi teve ao longo dos últimos séculos, Berge listou 50 territórios que
em algum momento aspiraram a serem reconhecidos como Estados independentes,
entre 1840 e 1975.
Como prova de que queriam ser levados a sério, todos criaram durante sua
efêmera existência um símbolo de soberania: um selo. "Selos servem em
primeiro lugar como prova concreta de que esses países existiram de verdade.
Mas eles muitas vezes representam mentiras. Devem ser vistos como propaganda,
na qual a verdade é sempre algo secundário", afirma o autor à Folha de
S.Paulo por email.
Diversos casos duraram poucas décadas ou mesmo um par de anos. Alguns
são meras invencionices de elites deslumbradas, que queriam um país para chamar
de seu. Outros tiveram desfechos trágicos, redundando em guerras sangrentas.
Nenhum território teve consequências tão duradouras para a história do
século 20, no entanto, quanto o Estado Livre de Danzig, encravado na atual
Polônia. Foi uma entidade soberana durante apenas 19 anos, retirada do domínio
alemão após a Primeira Guerra, em 1920.
Embora tivesse 95% da população de origem germânica, Danzig passou para
o controle, em termos práticos, de poloneses, embora formalmente fosse
administrada pela Liga das Nações.
Um selo para marcar esse domínio, claro, não poderia faltar, e ele foi
criado em 1926, com a figura de um navio, um aceno à tradição portuária do
lugar. Para jogar sal na ferida alemã, tem a inscrição "Correio
Polonês" e se refere ao local como "Gdansk", seu nome em
polonês, que se mantém até hoje. Em 1939, a invasão de Adolf Hitler a Danzig,
acabando com a soberania do local, foi o gatilho para a Segunda Guerra Mundial.
Mesmo exemplos mais pitorescos citados no livro contam uma história que
em algum momento balançou a geopolítica de sua época.
A chamada República do Extremo Oriente, por exemplo, sobreviveu apenas
entre 1920 e 1922, ocupando uma área no leste da Rússia equivalente a cinco
vezes o território da Alemanha.
Foi fundada por socialistas liberais após a revolução bolchevique e
aceita por um certo período pelos líderes soviéticos, para dar um verniz
democrático ao novo sistema. Seu selo, de 1921, tem uma âncora e uma picareta
entrecruzadas sobre um feixe de trigo maduro, o que parece ser uma referência
mais atenuada da foice e martelo comunistas.
Os selos mencionados na obra fazem parte da coleção de Berge.
"Começou quando herdei o velho álbum de selos do meu pai. Percebi que
muitos foram usados em cartas de países que não existiam mais. Haviam
simplesmente desaparecido, sem deixar muitos traços. Assim, minha curiosidade
foi atiçada."
O livro fala de países que existiram até 1975. Segundo o norueguês, isso
é proposital, embora Estados de existência efêmera continuem surgindo e
desaparecendo.
"Há diversos exemplos mais recentes, como repúblicas nos Bálcãs ou
da antiga União Soviética, para não mencionar o Estado Islâmico. Mas é
necessário que a história tenha tempo para maturar, antes que a propaganda se
descole, e o relato final se estabeleça", afirma.
Na obra, não há nenhum exemplo brasileiro, mas isso não significa que
não tenham existido. "Precisei fazer uma seleção, porque há mais de mil
casos. Mas tenho conhecimento, por exemplo, das repúblicas do Acre [1899-1903]
e Cunani [no atual Amapá, entre 1886 e 1891], embora os selos desta última
sejam provavelmente falsificações surgidas bem depois de a entidade ter deixado
de existir."
Há casos, na América do Sul, no entanto, como o território de
Corrientes, que existiu no local onde hoje fica a província argentina de mesmo
nome, entre 1856 e 1875.
Era, como diz o autor, pouco mais do que um projeto de estancieiros que
queriam demarcar sua autonomia em relação ao poder central em Buenos Aires.
Para seu selo, escolheram a efígie de Ceres, deusa romana da agricultura e da
fertilidade, para demarcar a vocação econômica.
Como aconteceu diversas vezes, no entanto, era apenas um projeto sem
muita conexão com a realidade, segundo Berge. "Poucos países são nações no
sentido de que representam uma cultura ou povo em particular. A divisão do
mundo sempre foi o projeto de governantes e imperialistas, frequentemente dando
pouca atenção ao que pensavam os habitantes."
LUGAR NENHUM - UM ATLAS DE PAÍSES QUE DEIXARAM DE EXISTIR (1840-1975)
AUTOR Bjorn Berge
EDITORA Rua do Sabão
VALOR R$ 69 (240 págs.)
Fonte: https://br.yahoo.com/noticias/livro-lembra-pa%C3%ADses-que-desapareceram-080500286.html 22-08-21
Comentários
Postar um comentário