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Do Equador ao Sri Lanka, alta da inflação provoca abalos políticos, sociais e humanitários pelo mundo.

Custo de vida derruba governos, leva milhares às ruas e pressiona economias que, no ano passado, viveram momento de retomada

Por Filipe Barini - 14/07/2022


Manifestantes protestam contra a alta dos preços nas ruas de Nairóbi, no Quênia TONY KARUMBA / AFP

Impulsionada pela invasão russa da Ucrânia, a sequência de crises que marca a economia global neste primeiro semestre de 2022 teve, no final de semana, um dos seus capítulos mais dramáticos, com a queda do governo do Sri Lanka, cujo presidente fugiu depois que manifestantes ocuparam a residência oficial, incluindo a piscina.

Além de graves e por vezes longevas distorções econômicas e sociais, os distúrbios têm em comum a forte alta da inflação, que atinge desde itens de alta tecnologia até combustíveis e alimentos — além da perda de poder de compra, corroído pela alta dos preços, em alguns casos ela pode significar que milhões de pessoas já não terão mais o que comer.

De acordo com economistas, a pressão inflacionária está ligada, em primeiro lugar, à retomada da economia em meados do ano passado, com o avanço da vacinação e a queda do número de mortes ligadas à Covid-19: o fim das restrições oficiais deu espaço a uma demanda reprimida desde o início do ano anterior, aquecendo o mercado de trabalho e pondo mais dinheiro em circulação.

Contudo, a oferta não acompanhou a demanda, e encontrou alguns gargalos em setores cruciais, como o de alta tecnologia e de transportes, responsável por movimentar insumos básicos, como alimentos. A decisão dos maiores produtores de gás e petróleo de não elevarem suas ofertas de forma substancial também afetou os preços dos combustíveis.

Em fevereiro, veio a invasão russa da Ucrânia, envolvendo dois dos maiores produtores de alimentos e um dos maiores fornecedores de petróleo, gás e combustíveis do planeta. O conflito agravou problemas de fornecimento e catapultou os preços de commodities como petróleo, trigo e milho. Para piorar, o ritmo de crescimento das economias deve perder força em 2022.

Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, em abril, o crescimento global deve ficar em 3,6% em 2022, 0,8 ponto percentual a menos do que a estimativa de janeiro. No ano passado, o avanço foi de 6,1%. A média da inflação anual nas economias avançadas deve ser de 5,7%, 1,8 ponto percentual a mais do que em janeiro — nas economias em desenvolvimento e emergentes, a inflação pode chegar a 8,7%, 2,8 pontos percentuais acima do previsto no começo do ano.

Veja como a crise impactou as economias em vários países, e quais foram os efeitos políticos e sociais.

Sri Lanka

Turbulências ligadas a problemas estruturais, como uma dívida impossível de ser paga, e decisões erradas das autoridades, algumas delas afetando a segurança alimentar da população, se somaram às novas pressões externas, e levaram a inflação anual a impressionantes 54,7%. No começo de abril, os primeiros protestos foram vistos nas ruas de cidades como Colombo, e presidente Gotabaya Rajapaksa fugiu do país nesta semana, sem renunciar ao cargo.

Panamá

Na terça-feira, milhares de pessoas voltaram às ruas da Cidade do Panamá para protestar contra a alta dos preços, uma cena que se repete há quase duas semanas no país. Apesar de a inflação estar em um patamar considerado baixo para padrões de países em desenvolvimento, 3,2% ao ano em 2022 (previsão), a população reclama da alta dos preços dos combustíveis e exige ações para eliminar gargalos nas cadeias de suprimentos. Para tentar acalmar os manifestantes, o governo anunciou uma redução de 24% no preço da gasolina, em relação a junho, além do congelamento do preço de itens considerados de primeira necessidade.

Equador

O movimento liderado por indígenas, que reclamavam, dentre outras demandas, dos altos preços dos combustíveis no país, integrante da Opep, levou à paralisação de parte da economia a perdas estimadas em quase US$ 1 bilhão. Por pouco, os protestos não provocaram a queda do impopular presidente Guillermo Lasso. Em 30 de junho, um acordo entre o governo e a liderança do movimento pôs fim à paralisação, com a promessa de um corte dos preços de combustíveis, subsídios a fertilizantes e a derrubada de um decreto que expandia projetos de extração de petróleo em áreas preservadas.

Argentina

Com uma inflação anual que pode chegar a 72% em 2022, o governo argentino vem enfrentando grande pressão para adotar ações de retomada econômica. No sábado, milhares de pessoas foram às ruas em Buenos Aires e, nas últimas semanas, caminhoneiros e produtores rurais realizaram seus próprios atos. Os problemas estão até mesmo dentro do governo de Alberto Fernández: há duas semanas, o ministro da Economia, Martin Guzmán, renunciou ao cargo em julho, quatro meses depois de fechar um acordo de renegociação da dívida com o FMI, e de ser duramente criticado pela vice-presidente, Cristina Kirchner.

Turquia

Desde o começo do ano, o país vem registrando um número crescente de protestos e greves, apesar da forte repressão do governo de Recep Tayyip Erdogan: em janeiro, um desses atos ganhou destaque internacional, quando jornalistas do escritório do serviço turco da BBC fizeram uma paralisação para exigir a reposição das perdas. Ao invés dos 20% oferecidos pela direção, conseguiram 32%. Hoje, a inflação na Turquia beira os 80% ao ano, e para evitar novas manifestações, o governo convenceu as empresas de energia a “parcelarem” os aumentos nas contas.

Coreia do Sul

Em junho, caminhoneiros sul-coreanos cruzaram os braços e exigiram, além de melhores salários, ações para conter a alta dos preços dos combustíveis. A paralisação provocou abalos pelo mundo, uma vez que o país é um dos principais produtores de itens escassos no mercado, como semicondutores, e problemas nas exportações aumentariam ainda mais os gargalos na indústria. A paralisação terminou depois de oito dias, e provocou um impacto de US$ 1,2 bilhão na economia local. No mês passado, a inflação anual na Coreia do Sul chegou a 5,4%, a mais alta em 14 anos.

Albânia

Na semana passada, milhares de pessoas tomaram as ruas de Tirana pedindo a renúncia do governo, apontado como incapaz de enfrentar a alta dos preços de itens básicos, como alimentos e combustíveis. De acordo com o Banco Central albanês, a taxa anual de inflação está em 6,7%, mas ela pode não ter chegado ao seu nível mais elevado. Em uma tentativa de conter a alta, o BC elevou em um ponto percentual a taxa básica de juros, e destacou que o atual cenário é “um risco a longo prazo” para a economia.

Quênia

No Quênia, onde a inflação está em 7,91% ao ano, segundo números de maio, a população vem se organizando em protestos para pressionar as autoridades por medidas para reduzir os preços dos alimentos. As críticas ao que muitos veem como falta de vontade de resolver os problemas nacionais, além de uma percepção generalizada de corrupção, também pautam o debate que antecede as eleições gerais, previstas para 9 de agosto. As pesquisas mostram que o candidato apoiado pelo atual presidente, Uhuru Kenyatta, está em segundo.

Somália

Uma seca devastadora, ataques de milícias contra áreas de produção de alimentos e os choques provocados pela guerra na Ucrânia devem elevar a inflação na Somália ao maior patamar dos últimos 15 anos, 10% ao ano, e a estimativa é de que 7 milhões de pessoas, metade da população, precisem de ajuda para sobreviver. A expectativa é de que, com a chegada de um novo governo, sejam estabelecidas bases para um diálogo com milícias como o al-Shabab, mas isso não resolverá o gargalo provocado pela queda na oferta de alimentos: cerca de 90% de todos os grãos consumidos na Somália são importados.

Fonte: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/07/do-equador-ao-sri-lanka-alta-da-inflacao-provoca-abalos-politicos-sociais-e-humanitarios-pelo-mundo.ghtml 14-07-22


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