Juan Manuel Fangio recebe troféu pela vitória no GP de Cuba de 1957 de Fulgencio Batista Getty
7 de abr, 2020 - Laurence Edmondson, editor de F1
Em 1958, o presidente Fulgencio Batista estava tentando manter um ar de normalidade em Cuba. As forças de guerrilha de Fidel Castro estavam acampadas nas montanhas a leste, e sua presença revolucionária era sentida através de tumultos cada vez mais agressivos nas ruas. Mas no centro de Havana, o presidente Batista estava interessado em que os negócios - que, juntamente com a corrupção, vinham crescendo desde que assumiu o cargo em 1953 – continuassem como de costume.
A visão
de Batista era de que a capital de Cuba se tornasse uma Las Vegas latina, na
qual turistas ricos dos Estados Unidos injetariam dinheiro nos cassinos do
país. E que melhor maneira de atrair os ricos na década de 1950 do que uma
corrida de carros de alto risco?
O primeiro Grande Prêmio de
Cuba foi realizado em 1957 ao longo da orla de Havana, o Malecon, e, segundo
todos os relatos, foi um enorme sucesso. Juan Manuel Fangio, cuja contagem de
cinco campeonatos mundiais na Fórmula 1 foi superada apenas por Lewis Hamilton e Michael Schumacher,
venceu a corrida em frente a ruas cheias de espectadores entusiasmados e
curiosos. Em 1958, outra corrida estava programada, mas, com a revolução a
menos de um ano, as coisas não foram tão tranquilas.
Segundo
relatos da época, o agressor, nervoso, gritou: "Fangio, você deve vir
comigo. Sou membro do movimento revolucionário de 26 de julho". Um dos
amigos de Fangio tentou fazer algo, mas a pistola girou. "Fique
quieto", disse o sequestrador. "Se você se mexer, eu atiro." E
com isso, Fangio acompanhou o jovem a um carro que esperava.
O motivo
era simples: capturando o maior nome no automobilismo, os revolucionários
apareceriam no governo e atrairiam publicidade mundial à sua causa. No entanto,
apesar das notícias do sequestro se espalharem pelo mundo, Batista se recusou a
ser superado e ordenou que a corrida continuasse como de costume, enquanto uma
equipe de polícia caçava os sequestradores.
Enquanto
isso, Moss era mantido sob guarda a noite toda, com um vigia batendo na porta a
cada três horas para garantir que ele ainda estivesse em sua cama. "Foi
uma noite muito perturbadora", lembrou. "Fangio disse aos rebeldes:
'Voces não devem ir atrás de Stirling porque ele está em lua de mel' - o que
era mentira, é claro, mas, no entanto, foi muito nobre da parte dele".
"Bem,
essa é mais uma aventura", acrescentou. "Se o que os rebeldes fizeram
foi por uma boa causa, então eu, como argentino, aceito."
Conforme
ordenado por Batista, na manhã da corrida (23 de fevereiro de 1958), os carros
foram liberados na frente de uma multidão de 150 mil pessoas, com Maurice
Trintignant substituindo o desaparecido Fangio. A essa altura, o campeão
mundial havia recebido um pedido de desculpas pessoal pelo homem de Fidel
Castro em Havana, Faustino Perez, e até recebeu um rádio para que ele pudesse
ouvir a ação. Mas Fangio não estava de bom humor.
"Fiquei
um pouco sentimental", disse ele. "Eu não queria ouvir porque me
sentia nostálgico."
Tudo
bem, pois o estado de espírito sentimental de Fangio poderia ter sido levado ao
limite se ele soubesse o que estava acontecendo na pista.
Phil Hill (à esq.) e Stirling Moss (à dir.) conversam antes do GP de Cuba em 1958 Getty
Na volta
seguinte, ocorreu um desastre. O piloto local Armando Garcia Cifuentes perdeu o
controle de sua Ferrari amarela e preta e foi para cima de vários espectadores
ao longo do circuito. Mais de 30 pessoas ficaram feridas e sete foram mortas
quando os destroços derrubaram uma ponte improvisada e voaram sobre as
barreiras do acidente. O motorista da Porsche Ulf Noriden parou na pista e
tentou ajudar.
"Eu
nem conseguia ver a Ferrari", disse ele. "Os corpos estavam
empilhados por toda parte. ‘’
Moss,
sem saber da extensão da tragédia, continuou correndo contra Gregory na frente
do campo e passou a ter uma das vitórias mais bizarras de sua carreira.
"Eu
estava dirigindo e a próxima coisa que soube foi que houve um acidente e uma
ponte caiu", lembrou Moss em entrevista à ESPN, 50 anos
depois. "Bem, eu digo uma ponte; era mais como alguns pedaços de madeira
com escadas de ambos os lados, mas mesmo assim a bandeira vermelha surgiu e
todo mundo começou a andar devagar.
"Naquela
época, eu estava disputando posição com Masten Gregory, embora não estivéssemos
competindo de verdade porque você não corre no início de um GP de 500 km. Então
ele ficou na frente por algum tempo, depois eu fiquei na frente, e foi quando o
acidente aconteceu", recorda.
"Entramos
na reta final com ele um pouco à frente e pude ver a linha de chegada chegando,
então voltei para a segunda marcha, coloquei o pé no chão e passei para vencer.
Quando paramos, ele não ficou muito satisfeito e disse: 'Agora ouça, eu estava na
liderança o tempo todo ...' E eu disse: 'Bem, sim, mas não quando passamos a
linha de chegada'".
Acidente durante o GP de Cuba em 1958 deixou sete mortos e mais de 30 feridos Getty
"Eu
sabia que a única pessoa que podia emitir a bandeira vermelha era o comissário
da corrida e ele nunca poderia acenar da ponte, de modo que alguém tinha que
ser um não autorizado - o funcionário nunca poderia chegar lá tão rápido da sua
posição habitual na linha de chegada".
"Então
eu disse a Masten: 'Olha, fique quieto, vamos juntar nosso dinheiro [do prêmio]
e depois dividi-lo'. E foi exatamente isso que fizemos, porque, caso contrário,
seria dos organizadores ou de quem decidir e levaria anos para conseguirmos o
dinheiro, se é que conseguiríamos".
"Oficialmente
eu fui o vencedor. A verdade é que qualquer um de nós poderia ter vencido, mas
isso não importava. Por que ter uma discussão sobre isso? Especialmente com
tudo o que aconteceu naquele fim de semana", definiu Stirling Moss.
Juan Manuel Fangio (à dir.) conversa com Maurice Trintignant e Roberto Mieres em Havana Getty
Na
véspera de Ano Novo de 1958, a revolução de Castro havia sido bem-sucedida, e
não foi antes de 1960, no campo militar de Camp Columbia, que o automobilismo
recomeçou em Cuba. O evento principal foi vencido por Moss, mas novamente foi
contaminado, desta vez pela morte de Ettore Chimeri, que bateu sua Ferrari e
mergulhou 45 metros pés em um barranco. Ele faleceria no hospital horas depois.
Nos anos
seguintes, o automobilismo organizado cessou na ilha. Apesar de sua
popularidade, o esporte foi considerado muito burguês pelo regime comunista.
Fonte: https://www.espn.com.br/f1/artigo/_/id/6828866/f1-dia-juan-manuel-fangio-sequestrado-cuba-para-promover-revolucao
23-02-24
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