Ao menos dois terços dos empregados formais no País estão submetidos a seis dias semanais de trabalho, muitas vezes com salários que não ultrapassam dois mínimos mensais
POR MARCELO
SOARES - 18.11.2024
A escala
6×1 se tornou um dos temas mais debatidos nas redes sociais depois que a
deputada Erika Hilton (PSOL-SP) começou a coletar assinaturas para pautar a
tramitação de uma proposta de emenda à Constituição que busca a extinção da
escala. A pressão foi tanta que até o direitoso União Brasil se sentiu obrigado
a apoiar a PEC.
Com 216
assinaturas, 46 a mais do que as necessárias para começar a tramitação, a PEC
movimentou o Congresso e motivou uma série de protestos pelo País. O debate foi
temporariamente ofuscado, contudo por um atentado contra o STF cometido pelo
bolsonarista Francisco Luiz – ironicamente, no exato momento em que Hilton dava
uma entrevista sobre o assunto.
Um
levantamento exclusivo da Lagom Data para a CartaCapital mostra que 82% dos
trabalhadores do comércio e serviços em escala 6×1 ganham menos de dois
salários mínimos mensais. Entre mulheres pretas e pardas, esse índice chega a
90%.
Essas
condições de trabalho são especialmente prevalentes em estados como Santa
Catarina, onde 80% dos contratos formais seguem a escala 6×1. Já em regiões
como Goiás, Mato Grosso e Rondônia, cerca de 75% dos trabalhadores estão nessa
situação. Por outro lado, no Maranhão, pouco mais da metade dos contratos
exigem jornadas superiores a 40 horas semanais.
O impacto
financeiro é ainda mais evidente quando se observa a faixa salarial. Dos
trabalhadores formais com contratos superiores a 40 horas por semana:
· 65% ganham até dois salários mínimos.
· 42% recebem até 1,5 salário mínimo (cerca de 2,1 mil reais).
Diferenças
de gênero e raça expõem ainda mais essa desigualdade. Enquanto apenas 27% dos
homens brancos nessa faixa salarial trabalham seis dias por semana, esse
percentual salta para 60% entre mulheres pretas.
Um mergulho nos números
Os dados do
emprego formal no Brasil, organizados na Relação Anual de Informações Sociais, a
RAIS, e no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, não indicam
quantos dias da semana cada pessoa trabalha, mas trazem a informação de quantas
horas semanais está previsto que a pessoa trabalhe. Trata-se aqui de quem tem
carteira assinada, porque os trabalhadores do setor informal não têm sequer a
garantia de horas semanais máximas previstas pela CLT.
Supondo que
os contratos obedeçam à CLT e se trabalhe até 8h por dia, quem certamente
trabalha no final de semana é quem têm contratos com mais de 40h semanais.
Esses contratos representam 65,8%, ou quase dois terços, dos que estavam
vigentes no Brasil em 2022, data da última RAIS. Eram nada menos do que 32
milhões de pessoas com carteira assinada.
Pode haver pessoas que trabalham seis dias por semana em contratos com menos horas – digamos, alguém com um contrato de 30 horas pode estar convocado para trabalhar cinco horas por dia de segunda a sábado. Os dados do Ministério do Trabalho, contudo, não permitem saber quantos contratos estão nessas condições.
Os
contratos com mais de 40 horas são mais comuns em alguns estados do que em
outros. Em Santa Catarina, 80% dos contratos formais são 6×1. Em Goiás, Mato
Grosso e Rondônia, quase três a cada quatro contratos formais são nesse regime.
Na outra ponta, pouco mais da metade dos contratos no Maranhão exige mais de 40
horas semanais.
Desses trabalhadores que estão à disposição do empregador por mais de 40 horas semanais, 65% ganham menos de dois salários mínimos, ou 2.824 reais. Mas, se descermos um pouco e formos olhar a faixa até 1,5 salário mínimo (2,1 mil reais), são 42% dos trabalhadores, ou 13,7 milhões.
Ainda
assim, o sexo e a cor influem: apenas pouco mais de um a cada quatro homens
brancos que trabalham seis dias por semana ganham até um mínimo e meio; entre
as mulheres pretas, são três a cada cinco.
Um argumento bastante comum a respeito dos salários baixos é o da escolaridade dos trabalhadores. De fato, no Brasil, pessoas com o ensino superior completo têm mais chance de acessarem melhores condições salariais do que quem tem menos escolaridade.
Nos
contratos 6×1 que pagam até 2 salários mínimos, como de resto no mercado de
trabalho formal inteiro, a maioria dos trabalhadores tem o ensino médio
completo. Mas também há pessoas graduadas. Embora haja numericamente menos
mulheres do que homens trabalhando seis dias por semana para ganhar menos de
2.842 reais, há 370 mil mulheres e 173 mil homens nessa condição profissional
mesmo tendo completado no mínimo uma graduação.
As jornadas
de trabalho mais extenuantes com os piores salários tendem a se concentrar em
alguns setores. No comércio, por exemplo, os trabalhadores que atendem aos
finais de semana provavelmente ganham menos de R$ 2,1 mil – quase 82% nessa
escala recebem este salário. Já entre os funcionários públicos que trabalham
mais de 40h semanais, pouco mais de um a cada quatro ganha tão mal.
Se formos
olhar por gênero e cor/raça o que acontece com os trabalhadores do comércio, o
quadro será bem semelhante ao que se vê acima:
O mito da (im)produtividade
Um dos
argumentos frequentemente usados para justificar salários baixos no Brasil é a
baixa produtividade dos trabalhadores. Economistas liberais atribuem isso à
escolaridade insuficiente, mas há outro fator: a estrutura econômica
desindustrializada e focada em exportações de commodities.
O problema
é que o cálculo da produtividade é um cálculo bruto: divide-se o PIB total pelo
número de horas trabalhadas. Estes dados, portanto, dependem sobretudo da
estrutura do mercado de trabalho. e da economia brasileira como um todo
(desindustrializada e focada na exportação de commodities agrícolas e
minerais). Se o Brasil exporta minério de ferro e importa celulares, cada
aparelho vendido no Brasil aumenta o PIB de outros países e reduz o brasileiro,
numerador da fração.
Reduzir a
carga horária semanal poderia oferecer um retrato mais realista da
produtividade. Mas o principal efeito positivo dessa medida estará nos ganhos
de qualidade de vida para quem hoje vende quase todos os seus dias em troca de
salários muitas vezes incompatíveis com o esforço.
Marcelo Soares
Jornalista e fundador do Lagom Data, estúdio especializado em inteligência de dados.
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