O Brasil vira à direita
Antipetismo,
rejeição à política e aos partidos tradicionais e vontade de mudança são forças
motrizes da candidatura Jair Bolsonaro, favorito do 2º turno
A onda conservadora e antipetista que se desenhava nas pesquisas não era uma marolinha. Foi um tsunami que varreu o PT de cargos importantes, mas foi além. Avançou sobre a velha política, representada pelos mesmos partidos de sempre, MDB e PSDB.
"O
eleitor está escolhendo algo que não seja o PT ou PSDB. Há uma opção clara por
algo que não seja um dos dois partidos que nos últimos 20 anos da vida
democrática dominaram a cena no Brasil", resume o cientista político
Leandro Machado, cofundador do movimento Agora.
Foi uma
renovação à direita, instituindo um novo polo político mais radical, que orbita
em torno do favorito no 2º turno das eleições presidenciais, Jair
Bolsonaro, e representa a indignação "contra tudo que
está aí".
Essa
revolta esteve presente nas Jornadas de Junho de 2013,
protestos iniciados por um aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus de
São Paulo. A raiva dos partidos políticos se materializou ali e tomou várias
capitais do País. Evoluiu para movimentos de #NãoVaiTerCopa no ano seguinte,
com protestos contra a então presidente Dilma Rousseff (PT). E foi se
fortalecendo após a reeleição apertadíssima dela.
Os panelaços contra Dilma começaram em 2015. Aumento de inflação, conta de luz, juros. O brasileiro sentiu no bolso a maquiagem das contas públicas da ex-presidente. Com a recessão, explodiu o temido desemprego. A Câmara conservadora, com quem a petista se recusava a dialogar, fez o possível para travar o governo. Eduardo Cunha, o então presidente da Casa, tornou-se algoz de Dilma.
A Operação
Lava Jato, iniciada em 2014, descortinava o maior esquema de corrupção da
História recente. Diversos partidos governistas — PT, MDB, PP — e até o
oposicionista PSDB — do rival Aécio — estavam unidos no propósito de sangrar a
maior estatal brasileira, a Petrobras, para irrigar o caixa de seus partidos e
de seus projetos de poder.
As redes
se organizaram e foram para a rua. Contra o PT. Contra Lula. Contra a
corrupção. E também contra a velha política. Aécio foi
vaiado. 2016 já era o prenúncio de uma guinada à direita.
O MBL
(Movimento Brasil Livre) se tornou um ator político canalizando demandas dos
mais conservadores. Os militantes fizeram uma peregrinação até Brasília para
pedir o impeachment de Dilma.
Veio de
uma advogada e professora da USP crítica do PT o pedido formal para o
impedimento da presidente. Janaina Paschoal, outra algoz de Dilma. Cunha levou
adiante seu pedido.
Quem
ascendeu ao poder, entretanto, era um escolhido de Dilma. Michel Temer se
tornou o presidente mais impopular do País.
Jair Bolsonaro, o catalisador
Os
indicadores econômicos melhoraram timidamente após Temer mudar os rumos da
política econômica do governo Dilma. Milhões de desempregados continuam
desamparados.
Temer não
conseguiu fazer todas as reformas a que se propôs por falta de legitimidade.
Com as
eleições presidenciais se avizinhando, o ex-presidente Lula liderava as
intenções de voto. Mas no meio do caminho havia uma
condenação em segunda instância.
2013, 14,
15, 16, 17, 2018.
Nesse
período, um deputado federal "bocudo", que fala muito, fala grosso,
foi ganhando espaço. Nas redes sociais, nos grupos de WhatsApp.
AFP/Getty
Images Na Esplanada dos Ministérios, Jair Bolsonaro é tratado como celebridade
em protesto pelo impeachment em 2016.
Um
inimigo do PT. Crítico dos ativistas de direitos humanos. Tachado de machista,
racista e homofóbico por suas controversas declarações como parlamentar.
Tornou-se
o terror de setores progressistas da sociedade. O pesadelo das esquerdas.
Mas a
classe média alta gostava. Homens, brancos, ricos.
A classe
média começou a gostar também. Homens, brancos, negros, mulheres.
"O
eleitorado do Bolsonaro é muito resiliente, resistente a qualquer tipo de
desconstrução com base naquelas características marcantes dele, com falas
misóginas e autoritárias", argumenta o coordenador do mestrado
profissional em Gestão e Políticas Públicas da FGV-SP, Cláudio Gonçalves Couto.
"Tudo isso bate nele e volta; o eleitorado minimiza, acha que ele é um
cara muito autêntico, que não há riscos à democracia."
Essa
"autenticidade" o tornou um fenômeno nos aeroportos, recepcionado por
seu séquito.
Pelos
intelectuais não era levada a sério. He is not presidential, como Ciro
tentou ser.
Um
aventureiro em um partido de aluguel. Sem apoios nem bases.
Após a
prisão de Lula, liderava a intenção de votos, mas sempre subestimado por um
suposto teto. Que primeiro seria de 20%, depois 25% e até 30%,
após ser esfaqueado em um de seus atos de massa.
Mas foi a
transferência de votos de seu antípoda — Lula — para Haddad que coroou seu
crescimento. Apenas a perspectiva de um possível regresso do PT ao poder foi a
senha para Bolsonaro se consolidar como o ímã do antipetismo.
"A
eleição se tornou um grande plebiscito contra um lado e contra outro",
analisa a diretora-executiva do CLP (Centro de Liderança Pública), Luana
Tavares.
Só que as
classes baixas também começaram a gostar de Bolsonaro.
Na última
semana, a Igreja Universal abraçou a candidatura dele.
"A
força evangélica foi muito importante para essa arrancada do Bolsonaro, mas
também por conta das pautas que ele vem colocando há tempos: a questão do
combate à violência, da moralidade na política e as questões morais, como
valores e papel da família", avalia a professora Denilde Holzhacker,
coordenadora do Centro de Assuntos Internacionais e Análise de Risco da
ESPM-SP.
Virou
tsunami.
O
resultado: Jair Bolsonaro teve 46% dos votos válidos na disputa
presidencial; Haddad, 29%.
A disputa
vai para o 2º turno, com amplo favoritismo do candidato considerado de extrema
direita.
Paulo
Whitaker / Reuters Jair Bolsonaro é um fenômeno das massas, com adesão popular
e irrestrita a suas ideias.
O poder de Bolsonaro
Se Jair
Bolsonaro não conseguiu liquidar a fatura na 1ª etapa da eleição, as urnas
deram seu recado. Elas querem renovação — e à direita mesmo.
O PSL, partido de Bolsonaro, terá
a 2ª maior bancada da Câmara. Elegeu mais de 50 deputados —
mais de 6 vezes o número de parlamentares atual.
Em São
Paulo, maior colégio eleitoral, Eduardo
Bolsonaro, filho do presidenciável, foi o deputado federal mais votado da
História, com 1,6 milhão de votos.
Em outro
recorde, Janaina
Paschoal, a advogada que derrubou Dilma, foi a deputada mais votada da História
do País.
A
ex-presidente impedida, aliás, foi barrada no baile organicamente e ficou sem
vaga no Senado.
O PT perdeu vagas importantes em Minas, Rio, São Paulo.
E a nova
direita, com nomes como o coordenador do MBL, Kim Kataguiri (DEM), e o youtuber
Arthur Mamãe Falei, vai representar os paulistas na Câmara Federal e na
Assembleia Legislativa.
Autora do
livro O Ódio como Política: A Reinvenção das Direitas no Brasil (editora
Boitempo), a professora da Unifesp Esther Solano detalha os 3 componentes desse
tsunami à direita.
"Tem
um antipetismo muito forte, relacionado à crise econômica aguda e à corrupção
que foi associada ao partido. Tem um grito antipolítico muito forte, que é a
negação da política tradicional. E, principalmente entre os eleitores de
Bolsonaro, tem um desejo de mudança muito forte e esperança de que ele vai
mudar alguma coisa."
Jair
Bolsonaro é a esperança daqueles que se consideram antissistema.
Fernando
Haddad, dos órfãos do lulismo e dos que temem o bolsonarismo.
O duelo
do 2º turno, de ódio, medo e esperanças, começa agora.
Diego Iraheta Editor
Chefe, HuffPost Brasil
Comentários
Postar um comentário