Com Jesus negro e carnaval crítico, Mangueira fortalece a tradição combativa da festa
Yahoo Notícias24 de fevereiro de 2020
Um dos
carros alegóricos da Mangueira trouxe um Jesus Cristo negro, com o cabelo curto
e loiro, estilo optado por alguns jovens das periferias (Bruna Prado/Getty
Images)
Texto / Pedro Borges
Quem
conhece a história do carnaval adorou o que a Mangueira fez durante a primeira
noite de desfiles no Rio de Janeiro. A verde e rosa trouxe para a Sapucaí um
Jesus Cristo negro, feminino, defensor dos direitos humanos e uma contundente
crítica social ao momento em que o país vive.
Com o
enredo “A Verdade vos Fará Livre”, escrito por Manu da Cuíca e Luiz Carlos
Máximo, um dos carros alegóricos trouxe um Jesus Cristo negro, com o cabelo
curto e loiro, estilo optado por alguns jovens das periferias de grandes
cidades, como no Rio de Janeiro. Representados pela mídia como os suspeitos
padrão, no desfile da Mangueira esses meninos ganharam o caráter bíblico e
divino.
O
carnaval é isso. As escolas de samba têm uma origem ligada ao povo negro e
carregaram consigo na história um caráter de crítica social. Elas levantaram e
ainda erguem a bandeira dos grupos sociais marginalizados com um potencial
imenso de diálogo com o povo.
Essa,
inclusive, é a mesma Mangueira que em 2019 homenageou Marielle Franco, ex-vereadora
assassinada em Março de 2018, e Luiza Mahin, líder da Revolta dos Malês. Não só
homenageou, como venceu a disputa na capital fluminense.
A
Mangueira opta por adotar essas denúncias no momento em que Paulo Guedes,
Ministro da Economia, e Eduardo Bolsonaro, Deputado Federal, enaltecem o AI-5 e
a necessidade de censurar a imprensa e no período em que há uma censura ao
cinema LGBT e crítico à sociedade. Por isso, é de se louvar o carnaval feito
pela verde e rosa.
A escola
mantém a tradição de persistir em forte contato com a sua comunidade, o que
muitas outras deixaram de fazer, na medida em que buscam o apoio de empresas e
o aumento de receitas.
Exige
muito diálogo com a comunidade e confiança por parte do público para se
construir uma ala que traga consigo cerca de 20 lideranças de diferentes
religiões para caminharem juntas. Isso em momentos de fundamentalismo religioso
evangélico, em especial no Rio de Janeiro.
A festa
no Brasil ganhou um caráter extremamente técnico, com a possibilidade de êxito
inclusive para escolas de sambas que muitas vezes não empolgam, em especial em
São Paulo. Nesse período, de distanciamento da festa das suas origens, é de se
exaltar a coragem da verde-rosa.
Com o
peso que tem no cenário nacional da música, poderia simplesmente aceitar a
venda de um samba enredo e conquistar recursos para fazer um carnaval luxuoso,
dinheiro ainda mais precioso com os cortes do prefeito Crivella às escolas de
samba na cidade.
Mesmo que
a escola não seja vencedora, trata-se de um carnaval para encher de orgulho a
sua comunidade e todo o mundo do samba. Mais do que isso, cumpre com a função
de apresentar para a sociedade as mazelas dos grupos sociais marginalizados e
coloca o dedo na ferida em opressões como o racismo.
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