150 anos do fim da Guerra do Paraguai: a história do conflito armado mais sangrento da América Latina
150 anos do fim da Guerra
do Paraguai: a história do conflito armado mais sangrento da América Latina
Getty Images A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi a mais sangrenta na história da América Latina
Veronica Smink - BBC News Mundo,BBC News Brasil 02-03-20
Na história da América Latina, não houve nenhum conflito armado em que lutaram e morreram tantos homens como na Guerra do Paraguai.
O Brasil,
a Argentina e o Uruguai perderam cerca de 120 mil soldados. Mas a verdadeira
tragédia foi enfrentada pelo país que, há um século e meio, terminou derrotado
no conflito com esses três países aliados: o Paraguai.
Para o
Paraguai, não foi só uma derrota militar, mas sim um massacre que alguns
historiadores consideram um genocídio.
As cerca
de 280 mil vítimas paraguaias representavam mais da metade da população do
país.
A vasta
maioria dos mortos era de homens — o Paraguai teve sua população masculina
praticamente dizimada.
Contam os
repórteres da época que, quando terminou a "Guerra Grande" — como a
chamam os paraguaios —, havia no país quatro mulheres para cada homem (e, em
algumas regiões, 20 mulheres por homem).
Um
desastre demográfico que, segundo muitos historiadores, atrasou gravemente o
desenvolvimento do país.
Biblioteca Nacional del Uruguay O uruguaio Javier López fotografou cenas da guerra para a Casa Bate & Cía; nesta imagem, corpos de paraguaios mortos em batalha
O que aconteceu?
A pior
guerra na história da América Latina teve origem em um conflito interno que
surgiu no Uruguai e passou rapidamente para o nível regional (alguns dizem que
por conta de interesses comerciais do Império Britânico).
Foi em
1864, poucas décadas após os países sul-americanos declararem suas
independências das potências europeias, e quando as fronteiras das novas nações
ainda estavam sendo definidas.
A faísca
que desencadeou tudo foi uma disputa entre os partidos tradicionais do Uruguai:
o Partido Nacional (ou Branco), que governava, e o Partido Colorado.
O governo
de Bernardo Prudencio Berro, do Partido Branco, era o único aliado regional do
Paraguai e lhe garantia uma saída ao mar (embora, na prática, antes da guerra,
os paraguaios usassem principalmente o porto de Buenos Aires para chegar ao
Atlântico).
Já os
colorados, liderados pelo general Venancio Flores, tinham o apoio do Brasil.
Por isso,
quando Flores, com a ajuda do Brasil, encabeçou uma revolução para derrubar
Berro, o presidente paraguaio, o marechal Francisco Solano López, decidiu sair
em defesa do governo uruguaio.
Solano
López ordenou a captura de um barco mercante brasileiro e invadiu o Estado
brasileiro do Mato Grosso, que o Paraguai e o Brasil disputavam.
A partir
dali, ele pretendia enviar suas tropas até o Uruguai, mas para isso precisava
atravessar a Província argentina de Corrientes.
Getty Images Francisco Solano López foi nomeado Herói Máximo da Nação no Paraguai em 1936; o dia de sua morte, 1º de março, foi declarado Dia dos Heróis em sua memória
Foi assim que a Argentina entrou no conflito. O presidente do país, Bartolomé Mitre, era aliado dos colorados uruguaios, como o Brasil.
Por isso,
ele negou o pedido de Solano López para atravessar Corrientes, e quando o
marechal invadiu a Província, a Argentina se uniu ao Brasil e ao novo governo
uruguaio contra o Paraguai.
As vítimas civis
Parte do
motivo pelo qual a Guerra do Paraguai — ou Guerra da Tríplice Aliança — foi tão
sangrenta foi o pacto que Argentina, Brasil e Uruguai fizeram para não encerrar
o conflito até que Solano López fosse morto (o que ocorreu em 1º de março de
1870).
Isso fez
com que a guerra se estendesse mesmo depois de o Paraguai ter sido invadido e
arrasado, graças à enorme disparidade entre o tamanho e o poder de fogo entre
as forças aliadas e as paraguaias.
Segundo o
historiador paraguaio Fabián Chamorro, o dado mais "estremecedor" da
guerra foi que a maioria das vítimas paraguaias não eram soldados (que eram
cerca de 90 mil), mas sim a população civil, incluindo meninos, velhos e
mulheres.
Milhares
de meninos e adolescentes também morreram nas frentes de batalha, já que,
diante do extermínio de suas tropas, Solano López começou a recrutar soldados
cada vez mais jovens.
A
historiadora alemã Barbara Potthast, que investigou em profundidade a Guerra do
Paraguai, disse à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que esses
meninos e jovens haviam atuado como "uma barreira humana para que o
exército (inimigo) não avançasse".
Getty Images Havia meninos nos dois lados da Guerra do Paraguai — como este argentino que tocava tambor em um batalhão de infantaria
O caso
mais tristemente célebre foi o da batalha de Campo Grande (ou Acosta Ñu, para
os paraguaios), em 16 de agosto de 1869, na qual cerca de 20 mil soldados
brasileiros lutaram contra aproximadamente 3.500 menores paraguaios, que morreram
em sua maioria.
Por causa
dessa batalha, o Dia da Criança no Paraguai se celebra em 16 de agosto.
Novo mapa
O pano de
fundo da guerra, além do conflito político, foi a disputa territorial.
Antes do
embate, o Paraguai tinha acordos territoriais com o Brasil e a Argentina.
Depois da
guerra, o país perdeu grande parte do território que reivindicava — e que
segundo Chamorro representava mais de 150 mil quilômetros quadrados, além de
25% do território paraguaio.
O Brasil
incorporou áreas aos atuais Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa
Catarina, e a Argentina conseguiu anexar as atuais Províncias de Formosa e
Misiones.
Além
disso, o Brasil ocupou o Paraguai por seis anos e exigiu uma indenização pela
guerra.
"A
guerra nos condenou a décadas e décadas de prostração econômica", disse à
BBC News Mundo o historiador Fabián Chamorro.
"Devastou
o país e, de certa forma, o Paraguai nunca se recuperou de tudo isso. Nunca
teve um apoio da parte dos aliados para voltar a florescer economicamente, e
demograficamente a catástrofe foi gigantesca", afirmou.
Uma das
consequências indiretas da guerra, segundo Chamorro, foi que o Paraguai
"não recebeu a migração de grande escala que receberam os vizinhos
Argentina, Brasil e Uruguai".
"As
consequências continuaram a ser sentidas por muito tempo, e periodicamente
afloram no espírito paraguaio", conclui o historiador.
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