30 anos depois, por que
ainda se tem medo do Comunismo no Brasil?
Dissolução da União Soviética ocorreu em 1991. (Foto: Getty Images)
Nas redes
sociais, a escalada de apoiadores da extrema-direita política tornou comum o
uso das palavras “comunista” e “socialista” como forma de xingamentos e ofensa.
O estereótipo pegou tanto que, nesta semana, o governador do Maranhão, Flávio
Dino (PC do B), anunciou que seu partido pretende retirar a palavra
“Comunista” do nome e alterar o símbolo, tirando as emblemáticas imagens da
foice e do martelo.
Mas após
quase 30 anos do fim da União
Soviética, por que esses conceitos ainda são encarados com medo ou
repulsa por parte da população? Ouvidos pelo Yahoo Notícias,
historiadores e psicólogos sociais detalham como, porque e de onde surgiram
esses sentimentos de aversão.
A difusão
da pecha de “comunista” pode ser explicada, primeiro, se analisarmos a cena do
jogo político no Brasil desde a derrocada do governo Dilma
Rousseff e ascensão do Bolsonarismo.
BRASIL E O ‘AMERICAN WAY OF LIFE’
“O regime
comunista foi um regime que sempre foi pintado como uma escravidão da sociedade
pelo Estado, sempre contraposto à ideia de liberdade, colocado como o oposto ao
chamado ‘american way of life’”, narra o historiador e professor Vinicius Juberte,
doutorando em História Econômica pela USP (Universidade de São Paulo).
Com o fim
da URSS nos anos 90, o que passou a ganhar força, segundo Juberte, foi o
discurso de que o Comunismo ou mesmo Socialismo haviam fracassado na guerra
contra o Capitalismo. “Esse é um discurso que é muito forte ainda hoje e que
acabou associado aos governos do PT. (...) Hoje, reciclar esses fantasmas da Guerra
Fria é um mero jogo retórico da luta política”, completa o historiador.
A origem
e repetição dessa propaganda anti-comunista por políticos da direita brasileira
está atrelada à influência que os Estados Unidos exercem no Brasil. Não faltam
exemplos de idolatria
por parte do presidente Jair
Bolsonaro ao mandatário dos EUA, Donald
Trump:
Bolsonaro
já fez lives para assistir a pronunciamentos
de Trump na TV, disse “I
love you” para o americano durante uma Assembleia Geral da ONU
(Organização das Nações Unidas) em Nova Iorque, e classificou a relação entre
ambos como um "noivado".
Na economia, elogiou Trump um dia depois de o governo dos EUA retirar
o Brasil da lista de países considerados menos desenvolvidos e que, por
isso, têm um tratamento preferencial no comércio exterior.
Desde a Guerra Fria, o American Way of Life foi contraposto com o regime Comunista. (Foto: Getty Images)
“Toda
essa doutrinação anti-comunismo vem dos Estados Unidos para nós há muitos e
muitos anos. Nos filmes, TV, propagandas, mídias, formas de consumo, tudo se
apoiou nessa ideologia. Bolsonaro e outros políticos de direta bebem muito
dessa fonte. Existem muitos brasileiros pobres que se sentem americanos e que
falam ‘esse presidente amigo do Trump vai trazer as coisas boas de lá para
aqui’”, afirma o psicólogo social Sergio
Kodato, professor titular do Departamento de Psicologia da USP de
Ribeirão Preto.
REGRESSÃO DAS MASSAS E OS ‘BODES EXPIATÓRIOS
O
“American Way of Life”, segundo Kodato, tem o alicerce composto nos pilares da
segurança, da propriedade privada, do culto às armas e à religião, ideais
constantemente repetidos por Bolsonaro e seus seguidores.
“Esses
pilares e discursos encaixam bem nesses períodos de medo que estamos vivendo.
Nos tempos de crise, as massas desesperadas saem em busca de um messias, de uma
salvação. E para ter o salvador e é preciso ter alguém para ser combatido. Se
tem o messias, tem de ter algum demônio”, afirma o psicólogo social.
Um dos
primeiros atos em momentos historicamente difíceis e de crise passa por achar
ou apontar um culpado, que passam a ser perseguidos e demonizados. Esse
movimento, similar a uma caça às bruxas incentivada por governantes, é chamado
de “regressão das massas”.
“A
população passa a acreditar em qualquer coisa o governante está falando, parece
hipnotizada. (...) Apontam-se indivíduos culpados pela situação ruim, que são
estereotipados, perseguidos e demonizados pela população, que em função de
crise são movidos pela irracionalidade. Os líderes, por sua vez, se aproveitam
e direcionam a carga de ódio e raiva popular. Os próprios governantes acabam criando
essas figuras e ideologicamente imputam o fracasso da politica econômica, se
aproveitando do nível de ignorância da população”.
Nesse
momento, os comunistas, socialistas e a esquerda no Brasil como um todo estão
no centro da discussão e apontados como responsáveis por toda ruína que
acontece no País, mas nem sempre foi assim.
“Na
ditadura, falar-se que era de direita era uma ofensa gravíssima. Nos anos de
inflação incontrolável, era quase um crime ser empresário ou ter um familiar
empresário, porque você era culpado pelos altos preços nas prateleiras”,
completa Kodato.
MAS HOUVE, EM ALGUM MOMENTO, UMA AMEAÇA COMUNISTA
NO BRASIL?
Segundo o
historiador Vinícius Juberte: não.
“De forma
alguma o país esteve perto de virar uma nova Cuba ou uma nova União Soviética.
Nos anos 60, tivemos um momento de ascensão das lutas populares e reformas de
base do governo João
Goulart, mas aquilo ali em momento algum indicou uma ruptura com o
sistema capitalista. Sempre foi muito mais um impulso reformista para construir
um país socialmente mais justo, mas nunca pensando numa ruptura com o
Capitalismo”, contextualiza Juberte.
Para o
historiador Osvaldo
Coggiola, professor titular de História Contemporânea do Departamento
de História da USP, o medo do Comunismo é infundado hoje em dia.
“Eu diria
que é uma coisa que inspira menos medo do que se inspirada há 30 anos atrás.
Tem-se medo hoje de uma coisa que não existe mais. O medo que corre atualmente
esta reduzido a uma expressão mínima da população. O nível de informação
aumentou muito se comparado ao tempo que o Comunismo que era editado pela igreja.
Naquela época, informavam atrocidade como comunistas comendo criancinhas. Havia
pessoas que acreditavam nisso, mas hoje não mais”.
E A POSSÍVEL MUDANÇA DE NOME DO PC DO B?
Osvaldo Coggiola:
“O que
está fazendo o PC do B é mais para entrar mais no jogo político brasileiro.
Acho que é até uma coisa boa porque de comunista o PC do B não tinha nada. No
Maranhão mesmo, estado do próprio Flávio Dino, o partido outros anos já se
aliou com o PSDB para chegar ao governo. Já propôs uma reforma da Previdência mais
severa do que a ambientada no nível federal”
Vinícius Juberte:
“Na
eleição de Bolsonaro, se pararmos para analisar, a força predominante foi o
anti-petismo. Se enxergamos mais friamente, além do anti-petismo foi o
anti-esquerda, e que respingou em partidos do campo progressista. Acredito que
o PC do B está com essa preocupação de atualizar a sigla para passar uma ideia
mais moderada, vide as eleições de 2018. Querem se tornar uma opção política
mais palatável”
Sergio Kodato:
“Quando o
PC do B faz isso, retirar a palavra Comunista e o símbolo, o partido meio que
compactua, entre várias e várias aspas, com esse preconceito. O partido acaba
assumindo a nocividade da palavra. Entendo que poderia não retirar, mas sim
fazer uma discussão. Ninguém sabe direito o que é Comunismo, o que é
Socialismo, o que é Fascismo. Quando você tira o nome, você não enfrenta essa
discussão. Mas como tática eleitoral, é uma ideia até inteligente, para se
viabilizar como alternativa”
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